
As vezes, uma vida inteira muda em silêncio — antes mesmo dos motores serem desligados.
Naquela época, eu era comissária de bordo e havia sido escalada para uma base provisória em
Manaus. Meu trabalho era levar passageiros a locais isolados, como Porto Urucu, e outros
lugares no coração da Floresta Amazônica. Cada voo era um espetáculo da natureza.
Descobri que apesar da predominância do verde, se olhar de perto, a floresta é multicolorida,
e em muitos lugares ela não é plana.
Os dias foram se passando e eu sempre apreciando essa beleza pela janelinha do avião. Mas
houve um dia que mudou tudo.
Tínhamos pousado em Porto Urucu e, durante uma pausa de algumas horas, fomos
convidados pelos pilotos de helicóptero da base para fazer um voo ao redor da região. Era um
desses convites que a alma aceita antes mesmo da mente processar. E lá fomos nós.
Antes do voo começar, algo já me atravessava: ao descer da aeronave, me deparei com
árvores tão altas, tão majestosas, que por um instante eu me senti minúscula diante daquilo
tudo.
Ali estava eu, com meus 1,63m de altura, cercada por colossos verdes que deviam ter mais de
50 metros. Me aproximei da beira da pista e fiquei parada, olhando para cima.
“Quanta magnitude… quanta sabedoria essas árvores devem esconder”, pensei.
Naquele instante, fui tomada por um encantamento silencioso — o tipo de beleza que a gente
não explica, só sente. Aquela imagem ficou eternizada na minha memória.
O voo veio logo depois.
O verde da floresta parecia infinito.
O vento batendo no rosto, o som grave das pás girando, a sensação de flutuar entre árvores
que pareciam sussurrar histórias antigas…
Antes mesmo que os motores fossem desligados, eu já tinha decidido:
“Eu vou ser piloto de helicóptero. E vou voar sobre essa floresta.”
Demorou dez anos.
As horas de voo custavam mais do que meu salário.
A jornada foi cheia de obstáculos — mas também de escolhas conscientes, de metas traçadas,
de persistência teimosa.
Conquistei meu brevê.
Mas nunca tive a chance de trabalhar voando sobre a floresta.
Quer dizer… quase nunca.
Uma vez, cumpri uma missão no Amapazinho. O destino final era um navio, mas a
paisagem? Ah… o verde seguia sendo o mesmo encanto.
Hoje entendo que a floresta me mostrou mais do que caminhos aéreos.
Ela me ensinou sobre grandiosidade silenciosa, sobre a paciência do tempo, sobre sonhos que
brotam devagar — mas brotam.
E que o nosso tamanho diante da vida não se mede em metros (ou qualquer outra métrica),
mas em coragem e conexão com aquilo que nos move.
A gente nem sempre realiza o sonho exatamente como imaginou.
Mas quando ele nasce de um lugar verdadeiro, ele se transforma em guia.
Mesmo que o destino mude, seguimos sendo fiéis à nossa essência.
Hoje, quando falo sobre propósito profissional, não falo de teorias.
Falo de momentos como esse, que despertam algo dentro da gente — e mudam o rumo da
nossa vida.
Nem sempre a gente chega exatamente onde queria, mas a direção certa tem um jeito próprio
de florescer.
E você?
Qual foi o instante mágico que mudou sua trajetória profissional?
Carine Lage
Psicóloga e Piloto











